Provas vão além de bichos de estimação e abrangem bois, cavalos, porcos, peixes e ratos
Evidências abrangem cavalos, porcos, peixes, ratos e bois
“Nós concluímos que os animais
não humanos não são objetos. Eles são seres sencientes. Consequentemente, não
devem ser tratados como coisas.” Esse é parte do texto da chamada Declaração de
Curitiba, documento assinado por 26 cientistas durante o III Congresso
Brasileiro de Biomédica e Bem-estar Animal, no mês passado. O objetivo é passar
uma mensagem clara de que os animais têm sentimentos, assim como os seres
humanos, e, por isso, não devem ser usados como instrumento em pesquisas,
experimentos nem para fins de entretenimento.
Segundo a médica veterinária,
PhD e pós-doutora Carla Moleno, exitem evidências científicas que comprovam o
teor do documento. “Embora a afirmação pareça óbvia, na sociedade ainda é comum
considerar animais como objetos”, afirma. As evidências se dividem em quatro
categorias: comportamentais, neurológicas, farmacológicas e evolutivas. Elas
mostram que os animais se comportam como seres humanos, além de apresentarem
estrutura nervosa semelhante à do homem. Por exemplo: algumas das substâncias
liberadas diante de sensações de medo, ansiedade e alegria nos seres humanos
também estão presentes nos animais. Segundo Carla, existe uma explicação
evolutiva para isso: tais sentimentos auxiliam na sobrevivência das espécies e,
por isso, eles predominaram nos seres humanos e nos outros animais.
Essa dimensão do animal, no
entanto, é relegada a segundo plano. O professor de clínica de cães e gatos da
Universidade de Brasília (UnB), Jair Costa, explica que os animais costumam ser
tratados como objetos por serem considerados bens de seus donos. “Existem os
animais considerados de produção, como os equinos e os bovinos, e os pets, que
são os animais de companhia. Ambos são tidos como bens materiais de seus
proprietários e, por isso, é possível que a sociedade tenda a considerá-los
objetos”, comenta o educador.
Cássia Soares, 39 anos,
acredita plenamente que sua cadela, Sofia, da raça dachshund, tem sentimentos.
Cássia é proprietária de uma loja de móveis usados na Asa Norte e conta que a
cadela vai para o trabalho com ela todos os dias há oito anos. “Somos muito
grudadas. O pessoal do comércio já conhece a Sofia por ela vir trabalhar
comigo”, conta a comerciante. O marido de Cássia, Corinto Miranda, confirma: “A
Sofia não sabe falar, mas ela demonstra sentimentos da maneira dela”. Ele conta
que, no começo do casamento, a cadela sentia muito ciúme da dona com o novo
companheiro e, por isso, não gostava dele. Agora, eles se dão bem e o animal
faz parte da união como se fosse uma filha, segundo o casal.
O professor Jair Costa conta
que o comportamento dos animais tem relação com a maneira como eles foram
criados pelos donos. “Alguns animais são criados isolados e acabam
desenvolvendo a agressividade. É daí que surgem os preconceitos, por exemplo,
com os pitbulls”, esclarece. No outro extremo, quando animais são criados com
atenção demais, eles desenvolvem outras características, muitas vezes
semelhantes com a dos seres humanos.
AMPLA DEFESA
A Declaração de Curitiba foi
assinada no III Congresso Brasileiro de Biomédica e Bem-estar Animal, que
ocorreu de 5 a 7 de agosto em Curitiba, Paraná. O documento foi baseado em uma
declaração semelhante, escrita na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, em
2012, conhecida como Declaração de Cambridge sobre a Consciência Animal, que
traz uma discussão mais técnica para o assunto. “Depois de dois anos da
Declaração de Cambridge, a Declaração de Curitiba nasce para que a posição do
meio científico possa ser usado por qualquer pessoa em qualquer contexto”,
explica Carla Moleno, presidente do congresso.
O evento foi realizado pelo
Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e contou com a presença de
cientistas e veterinários brasileiros e internacionais, como o canadense Philip
Low. A Declaração de Curitiba não diz respeitos só a animais domésticos. O
documento defende que animais usados em circos, em laboratórios e para
alimentação também são sencientes e não podem ser “objetificados”. “Apesar de o
afeto ser associado aos bichinhos de estimação, não podemos esquecer que outros
animais apresentam essas evidências, como cavalos, bois, porcos, peixes e
ratos”, ressalta a veterinária Carla.
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