26 de fevereiro de 2014

COMO OS CÃES SABEM O QUE VOCÊ ESTÁ SENTINDO

Cães no Centro de Pesquisa MR, em Budapest. Crédito: Divulgação


COMO OS CÃES SABEM O QUE VOCÊ ESTÁ SENTINDO

Quando você ouve a voz de uma amiga imediatamente vêm à sua mente a imagem dela, mesmo que não a veja. E a partir do tom da sua fala rapidamente sabe se está feliz ou triste. Tudo isso é possível porque o cérebro humano possui uma área de processamento de voz.

Agora os cientistas, por meio de exames de ressonância magnética em um grupo de cães, descobriram que os cérebros dos cachorros também têm áreas dedicadas ao processamento da voz. A descoberta ajuda a explicar como os caninos podem entrar em sintonia com os sentimentos dos seus donos.

“É uma pesquisa absolutamente brilhante, inovadora”, diz Pascal Belin, neurocientista da Universidade de Glasgow, Grã-Bretanha, um dos membros da equipe que identificou as áreas de processamento de voz no cérebro em 2000. “Eles realizaram o primeiro estudo comparativo usando primatas não humanos e fizeram isto com uma técnica não invasiva, treinando os cachorros para ficarem deitados e quietos dentro de um aparelho de ressonância magnética”.

Os cientistas já haviam demonstrado anteriormente que os humanos distinguem rapidamente um latido feliz de um triste dos cachorros. “Os cães e os humanos compartilham um ambiente social similar”, diz Attila Andics, neurocientista membro de um grupo de pesquisa da Academia Húngara de Ciências na universidade de Eötvös Lorándo em Budapeste e um dos principais autores do estudo. “De modo que nos perguntamos se os cães também tirariam alguma informação social a partir da voz humana”.

Para descobrir, Andics e seus colegas decidiram realizar uma ressonância magnética do cérebro canino para ver como ele processa diferentes tipos de sons, incluindo vozes, latidos e ruídos naturais. No caso dos humanos, a área de processamento de voz é ativada quando ouvimos outras pessoas falarem e nos ajuda a reconhecer a identidade de quem está falando e captar o conteúdo emocional da sua voz. Se os cães tivessem áreas de processamento de voz, isso significaria que essa capacidade não está limitada e humanos e outros primatas.

Assim, a equipe treinou 11 cães a se deitarem e se manter quietos num exame de ressonância magnética do cérebro deles, ao mesmo tempo colocando fones de ouvido para eles ouvirem os sons e proteger seus ouvidos. “Eles adoraram fazer isto”, disse Andics, acrescentando que os proprietários dos animais estavam presentes, premiando-os com biscoitinhos e carinho. O scanner captou imagens da atividade cerebral dos cães enquanto ouviam cerca de 200 sons humanos e caninos, incluindo gemidos, gritos, latidos de alegria e risadas. Os cientistas em seguida examinaram os cérebros de 22 humanos ouvindo o mesmo conjunto de sons. Tanto cães como humanos estavam despertos durante o exame.

As imagens revelaram que os cérebros dos cães têm áreas de processamento de voz e que a voz é processada da mesma maneira que no cérebro humano, diz a equipe que reportou o estudo no site online da revista Current Biology. E como essas áreas de processamento de voz são encontradas em locais similares do cérebro de cães e de humanos, os cientistas sugerem que provavelmente elas evoluíram pelo menos há 100 milhões de anos, quando humanos e cães compartilharam um ancestral comum, um insetívoro. De fato, alguns acham que as áreas do cérebro que processam sons vocais pode ser descobertas em mais espécies.

Mas, quando essas áreas foram descobertas pela primeira vez nos humanos, a ideia era que eram especiais e de algum modo ligadas especificamente à evolução da linguagem. “E no caso dos animais?”, indaga Andics.

A resposta, acha ele, está no que os exames também revelaram: semelhanças surpreendentes na maneira como os cérebros humano e canino processam sons emocionalmente carregados. Sons de alegria, como a risada de uma criança, fizeram o córtex auditivo primário de ambas as espécies ilumina mais do que no caso de sons desagradáveis, como a tosse cavernosa de um homem. “Isso mostra que cães e humanos têm mecanismos similares no cérebro para processar o sentido social do som”, diz Andics, notando que outra pesquisa mostrou que os cães “reagem mais à maneira como dizemos alguma coisa do que ao que dizemos”. A semelhança do processamento auditivo “ajuda a explicar porque a comunicação vocal entre as duas espécies é tão bem sucedida”.

Mas existem diferenças também. Os pesquisadores descobriram que no caso dos cães, 48% das regiões auditivas do cérebro respondem de maneira mais intensa aos sons do ambiente, como o ruído do motor de um carro, do que a vozes. Nos humanos, ao contrário, apenas 3% das regiões do cérebro sensíveis ao som iluminam mais no caso de sons não vocais. “Isto mostra o que fortemente sintonizado o córtex auditivo humano está com sons vocais. No caso dos cães é mais heterogêneo”.

Mas é a similaridade na maneira como cães e humanos processam as informações emocionais da voz que os pesquisadores acham mais interessante. “Eles confirmaram o que qualquer dono de um cão sabe - que seus animais são sensíveis ao tom de voz de uma pessoa”, diz John Marzluff, biólogo na Universidade de Washington em Seattle. E mais importante ainda, o estudo “nos conscientiza que nosso maravilhoso cérebro é sob muitos aspectos um produto de nosso passado evolucionário distante”, concluiu ele.

Tradução de Terezinha Martino