7 de outubro de 2014

Cientistas brasileiros afirmam que os animais têm sentimentos

Provas vão além de bichos de estimação e abrangem bois, cavalos, porcos, peixes e ratos
Evidências abrangem cavalos, porcos, peixes, ratos e bois

“Nós concluímos que os animais não humanos não são objetos. Eles são seres sencientes. Consequentemente, não devem ser tratados como coisas.” Esse é parte do texto da chamada Declaração de Curitiba, documento assinado por 26 cientistas durante o III Congresso Brasileiro de Biomédica e Bem-estar Animal, no mês passado. O objetivo é passar uma mensagem clara de que os animais têm sentimentos, assim como os seres humanos, e, por isso, não devem ser usados como instrumento em pesquisas, experimentos nem para fins de entretenimento.

Segundo a médica veterinária, PhD e pós-doutora Carla Moleno, exitem evidências científicas que comprovam o teor do documento. “Embora a afirmação pareça óbvia, na sociedade ainda é comum considerar animais como objetos”, afirma. As evidências se dividem em quatro categorias: comportamentais, neurológicas, farmacológicas e evolutivas. Elas mostram que os animais se comportam como seres humanos, além de apresentarem estrutura nervosa semelhante à do homem. Por exemplo: algumas das substâncias liberadas diante de sensações de medo, ansiedade e alegria nos seres humanos também estão presentes nos animais. Segundo Carla, existe uma explicação evolutiva para isso: tais sentimentos auxiliam na sobrevivência das espécies e, por isso, eles predominaram nos seres humanos e nos outros animais.

Essa dimensão do animal, no entanto, é relegada a segundo plano. O professor de clínica de cães e gatos da Universidade de Brasília (UnB), Jair Costa, explica que os animais costumam ser tratados como objetos por serem considerados bens de seus donos. “Existem os animais considerados de produção, como os equinos e os bovinos, e os pets, que são os animais de companhia. Ambos são tidos como bens materiais de seus proprietários e, por isso, é possível que a sociedade tenda a considerá-los objetos”, comenta o educador.

Cássia Soares, 39 anos, acredita plenamente que sua cadela, Sofia, da raça dachshund, tem sentimentos. Cássia é proprietária de uma loja de móveis usados na Asa Norte e conta que a cadela vai para o trabalho com ela todos os dias há oito anos. “Somos muito grudadas. O pessoal do comércio já conhece a Sofia por ela vir trabalhar comigo”, conta a comerciante. O marido de Cássia, Corinto Miranda, confirma: “A Sofia não sabe falar, mas ela demonstra sentimentos da maneira dela”. Ele conta que, no começo do casamento, a cadela sentia muito ciúme da dona com o novo companheiro e, por isso, não gostava dele. Agora, eles se dão bem e o animal faz parte da união como se fosse uma filha, segundo o casal.

O professor Jair Costa conta que o comportamento dos animais tem relação com a maneira como eles foram criados pelos donos. “Alguns animais são criados isolados e acabam desenvolvendo a agressividade. É daí que surgem os preconceitos, por exemplo, com os pitbulls”, esclarece. No outro extremo, quando animais são criados com atenção demais, eles desenvolvem outras características, muitas vezes semelhantes com a dos seres humanos.

AMPLA DEFESA

A Declaração de Curitiba foi assinada no III Congresso Brasileiro de Biomédica e Bem-estar Animal, que ocorreu de 5 a 7 de agosto em Curitiba, Paraná. O documento foi baseado em uma declaração semelhante, escrita na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, em 2012, conhecida como Declaração de Cambridge sobre a Consciência Animal, que traz uma discussão mais técnica para o assunto. “Depois de dois anos da Declaração de Cambridge, a Declaração de Curitiba nasce para que a posição do meio científico possa ser usado por qualquer pessoa em qualquer contexto”, explica Carla Moleno, presidente do congresso.

O evento foi realizado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e contou com a presença de cientistas e veterinários brasileiros e internacionais, como o canadense Philip Low. A Declaração de Curitiba não diz respeitos só a animais domésticos. O documento defende que animais usados em circos, em laboratórios e para alimentação também são sencientes e não podem ser “objetificados”. “Apesar de o afeto ser associado aos bichinhos de estimação, não podemos esquecer que outros animais apresentam essas evidências, como cavalos, bois, porcos, peixes e ratos”, ressalta a veterinária Carla.